segunda-feira, 4 de abril de 2011

Desprotegidos

Eles deveriam ser protegidos, mas acabam sofrendo humilhações, passam fome, e não recebem assistência médica ou odontológica. Ainda são solicitados a assinar recibos com notas fiscais de produtos que não consumiram ou em branco. Esse é o relato de mais de uma dezena de pessoas incluídas no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas do Governo Federal (Provita). Eles denunciaram um crime ou ajudaram a justiça a elucidá-lo em troca de uma proteção que, em muitos casos, ficou só no papel. Não bastassem as privações, em algumas situações desumanas, há casos de estupro, tentativa de homicídio e de pessoas encontradas mortas quando estavam no programa. Débora Novaes(*) foi incluída no Provita por duas vezes. Em ambas, ficou poucos meses. Na primeira, foi enviada para Goiás, onde ela e os dois filhos passaram fome. Apesar do mais novo ter epilepsia e ser deficiente mental, não recebeu atendimento e não teve acesso aos remédios para evitar convulsões e controlar a agressividade. Débora sentia fortes dores de dente, mas não foi levada ao odontologista. Sem aguentar a situação, ela pediu para sair. Na segunda vez em que a família de Débora foi incluída no Provita, ela viveu em Minas Gerais e, depois, no Paraná. Mas os problemas continuaram: em Minas, ficou sem água potável e ventilador; no Paraná, ficou em um apartamento com o sinteco mofado e sem pia de cozinha.

As denúncias de Débora não são as únicas e não se resumem a um único Estado e atingem o Provita do Rio de Janeiro,Minas Gerais,Distrito Federal, Goiás, entre outros. Muitas pessoas acabam deixando o programa e terminam assassinadas. Foi o que aconteceu com os irmãos Leandro e Leonardo Baring Rodrigues. Leonardo foi testemunha da execução de sete pessoas na favela do Barbante, em Campo Grande, no Rio de Janeiro, em 2008. Ele pediu desligamento do Provita por não aguentar as privações. Acabou morto em 2009. Leandro testemunhou o assassinato do irmão e também foi executado. Sete parentes de Leandro e Leonardo, que já tinham passado pelo Provita, regressaram ao programa.

Outras pessoas foram desligadas sob acusação de descumprirem as regras bastante rígidas. É o exemplo de Jorge Kar(*), desligado por fornecer a identidade a um policial que o parou na rua. Ele é testemunha em um processo contra policiais militares no Paraná. O motorista Nelson(*) estava abrigado no Rio de Janeiro quando foi desligado do Provita por denunciar a jornalistas a falta de assistência aos “protegidos”. Ele delatou fiscais e funcionários públicos do Mato Grosso do Sul de envolvimento no comércio e exploração de madeira ilegal.

Débora também foi excluída do Provita sob a alegação que teria falado sobre o programa, envolto de sigilo, a um homem. “Ele era do próprio programa e estava montando meus móveis. Eles haviam levado minha mudança do Rio de Janeiro para o Paraná. Eu reclamei que as caixas estavam violadas e meus móveis quebrados. Se eu não reclamasse na hora, ia reclamar quando e para quem?” Assim como muitas das pessoas que deixam o Provita, Débora vem recebendo ameaças, não consegue dormir sem medicamentos, tem picos de pressão alta e taquicardia.

Há casos de pelo menos mais três pessoas que já foram encontradas mortas sob a proteção do programa.
Em 2002, Márcia de Lima Nunes,de 19 anos, foi encontrada morta por enforcamento no apartamento onde fora alojada em Porto Alegre. Ela denunciara policiais envolvidos na exploração sexual de crianças e adolescentes no Rio Grande do Sul à CPI de Combate ao Crime Organizado. A paulista Karina Mousquer Arndest, de 26, foi encontrada morta por enforcamento em um hotel da região serrana do Rio de Janeiro, no final de 2002.

Um outro jovem foi encontrado morto na piscina de um condomínio em Brasília. Ele estava sob proteção porque um parente próximo foi testemunha do assassinato do comerciante Chan Kim Chang,torturado e morto pela polícia do Rio de Janeiro. As três mortes foram consideradas suicídio pela Secretaria de Direitos Humanos do Ministério Público, mas a mãe do rapaz não acredita nessa hipótese. “Ele foi assassinado, pois sabia nadar muito bem”, diz ela.

Q. M. S., viúva de um dos maiores trafi cantes da Brasil, denunciou policiais
por envolvimento com o tráfico de drogas. Apesar de ter quatro filhos, ela tentou suicídio ingerindo medicamentos e água sanitária, depois de passar vários dias sem comida e sem conseguir contato com o Provita.

Até 2009, 74% das testemunhas assistidas pelo Provita haviam se desligado por conta própria. Considerando-se as pessoas que foram excluídas por não cumprirem as regras, o programa apresenta um índice absurdamente baixo de permanência.

O Provita deveria zelar pelas testemunhas, mas na prática a realidade é outra. A proposta de implantação de um programa de proteção à testemunha no Brasil foi prevista pela primeira vez em 1996 no Programa Nacional de Direitos Humanos. O Estado de Pernambuco foi o primeiro a assinar um convênio com a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, criando o Provita. Nos anos seguintes,Bahia e Espírito Santo também fecharam convênio com o Governo Federal, criando seus programas.

Em 13 de julho de 1999,dentro de uma política pública federal, entrou em vigor a Lei nº 9.807, estabelecendo normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas.

O documento prevê que sejam protegidos aqueles que se encontram em situação de risco por colaborarem em inquéritos ou processos criminais e garante a essas pessoas direito a mudança de casa e de estado, auxílio financeiro, assistência médica psicológica e de advogados. Em casos excepcionais, a testemunha tem direito à mudança de identidade. O que se vê, de acordo com as denúncias são os mais variados problemas e principalmente falta de assistência a parentes e dependentes.

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